Só poderão receber o certificado os estabelecimentos
que banirem inclusive os fumódromos de suas dependências
A adesão ao programa lançado ontem e válido para
todo o Estado é voluntária e não renderá
nenhum tipo de isenção fiscal
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
Principal precursor do movimento antitabagista enquanto foi ministro
da Saúde, o governador José Serra lançou ontem
um selo antifumo para empresas, bares e restaurantes que banirem definitivamente
o cigarro de seus ambientes. Para especialistas, no entanto, a medida
é branda e paliativa.
Para receber o selo, que não dá isenção
fiscal, é preciso proibir o tabaco e derivados de todos os locais,
abertos ou fechados. Cigarro, só na rua. Não pode ter
área de fumantes, fumódromo nem cinzeiros. Avisos de proibido
fumar devem estar visíveis na entrada e no salão.
A adesão é voluntária, e a medida não é
compulsória. A idéia é criar um serviço
para que clientes não-fumantes possam escolher lugares em que
poderão comer (ou se divertir) sem fumaça. E, segundo
Serra, estimular a conscientização antes do endurecimento
das regras contra o consumo de cigarro que, diz, devem ser federais.
A primeira lei a disciplinar o fumo em São Paulo foi aprovada
em 1980.
Ela restringe o cigarro em 20 locais, como ônibus e elevadores.
Entre 1990 e 2003, a restrição foi ampliada por outras
seis leis e dois decretos, que proibiram o cigarro em bares, restaurantes,
casas de shows e boates. Uma legislação federal de 1997
também proíbe a fumaça em ambientes fechados, exceto
se tiverem "locais apropriados". É nessa brecha e na
falta de regulamentação que lugares públicos encontram
a saída para liberar o fumo.
"Fazer algo e depois não poder cumprir é pior do
que não fazer", avalia Serra.
"Se for necessário fazer lei, nós faremos. É
que quero começar uma coisa pouco a pouco, bem feita. Sempre
há o receio de operar com uma espécie de lei seca, de
criar um ambiente de clandestinidade que só favorecerá
o contrabando. Temos de ir conscientizando a sociedade", completa.
A Folha fez uma enquete com restaurantes de São Paulo para verificar
a adesão ao programa. A maioria disse que não deverá
aderir à proibição ou ainda não saber.
"É cedo para fazer isso em São Paulo. Prefiro ter
uma opinião ponderada. Enquanto não houver uma lei municipal
ou estadual, não vou aderir", diz o chef Alex Atala, dono
do D.O.M., um dos restaurantes mais premiados da cidade.
Fiscalização
Não haverá fiscalização para empresas e
restaurantes que aderirem ao programa, receberem o selo e depois descumprirem
a proibição.
Pelo projeto do governo, freqüentadores poderão delatar
estabelecimentos a uma central telefônica da Secretaria Estadual
da Saúde. O benefício seria retirado, o que, para Serra,
"pegaria mal".
Segundo especialistas, o Brasil, que já foi considerado vanguarda
ao proibir a propaganda de tabaco e obrigar fabricantes a publicar fotos
degradantes com alertas sob os riscos do vício, está hoje
atrasado em relação a outros países do mundo.
França, Inglaterra, Irlanda, Espanha, Argentina e diversas cidades
como Nova York baniram o cigarro de ambientes fechados, sem exceções.
Em São Paulo, a primeira, e até agora única empresa
a receber o selo antitabagista, foi a multinacional Johnson&Johnson,
que desde 2006 comercializa um tablete contra o fumo.
Unidades de saúde
Na capital paulista, a partir de quarta-feira, serão ser extintos
todos os "fumódromos" de Unidades Básicas de
Saúde, hospitais, prontos-socorros e prédios administrativos
da Secretaria Municipal da Saúde. A medida vai abranger 600 prédios
públicos.
O veto ao fumo nesses locais passa a valer no mesmo dia em que se comemora
o Dia Nacional de Combate ao Tabaco.
A FAVOR
Para chef do Carlota, fumo afeta paladar
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das mais prestigiadas chefs de São Paulo, Carla Pernambuco
diz que vai aderir voluntariamente ao selo antifumo e banir o cigarro
dos salões de seu restaurante Carlota. Para ela, a fumaça
prejudica a percepção do sabor e o aroma da comida. "Não
combina", avalia Pernambuco. (VQG)
FOLHA - Por que proibir?
CARLA PERNAMBUCO - É saudável, é sábio,
não se pode obrigar ninguém a conviver com hábitos
insalubres. Na minha opinião, também atrapalha na percepção
dos aromas e sabores de uma boa cozinha. Não combina.
FOLHA - O selo antifumo vai pegar?
PERNAMBUCO - Vai pegar. É como nos aviões, todos se acostumam.
FOLHA - A medida é branda?
PERNAMBUCO - Eu não conheço o texto da medida.
contra
Sophia Bistrot teme perder clientes
DA REPORTAGEM LOCAL
Fumante, a chef Fabiana Cesara, do Sophia Bistrot, diz que não
pretende banir completamente o cigarro de seu restaurante. (VQG)
FOLHA - Por que não proibir?
FABIANA CESARA - Temos uma parte externa, aberta. É complicado
falar ao cliente para que não fume. Dentro do restaurante é
complicado. Agora, na hora em que for obrigada, não terei mais
a opção.
FOLHA - O selo vai pegar?
CESARA - Não sei se pega. Não sei se as pessoas vão
proibir. Há o medo da queda de movimento. Existem restaurantes
que são para quem fuma charuto.
FOLHA - Antes podia-se fumar nos aviões, e foi proibido. Ninguém
deixou de voar e as empresas aéreas lucram bastante...
CESARA - É uma questão complicada. Incomoda muito. Vou
colocar assim: dentro não se fuma, fora se fuma.
ANÁLISE
Nova medida desmonta farsa do fumódromo
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O selo do Serra tem uma única vantagem em relação
ao nada que reina sobre o uso do fumo em ambientes fechados no Brasil:
serve para desmontar a farsa dos fumódromos, invenção
da indústria do cigarro que funciona como ilusão de proteção.
O selo ajudará a pôr a nu a política de auto-engano
do fumódromo. Só receberão os selos de ambientes
livres de fumo quem não recorrer a esse truque.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) confirmou
que fumódromo é uma ilusão em julho último,
em reunião realizada em Bancoc. Duas diretrizes saíram
do encontro: 1) O fumo tem de ser banido de ambientes fechados; 2) Fumódromo
e ventilação não funcionam.
Tânia Cavalcante, chefe da divisão de controle de tabagismo
do Inca (Instituto Nacional do Câncer), diz que o selo pode ter
função didática.
"Como a lei federal é capenga, o selo ajuda a educar as
pessoas e propicia debates", diz. A lei a que Tânia se refere
é a de número 9.294, de 1996, que tentou banir o fumo
de ambientes fechados. O problema da lei é o artigo 2º.
Ele proíbe o fumo em ambientes fechados, "salvo em área
destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento
conveniente". É por essa brecha que bares e restaurantes
colocam fumantes e não-fumantes na mesma área.
Paula Johns, presidente da Act (Aliança de Controle de Tabagismo),
uma rede que congrega mais de 50 organizações antitabagistas,
é mais incisiva: "Selo voluntário é bobagem.
Já existem leis para banir o fumo de ambientes fechados. O problema
é que o governo não fiscaliza".
A ativista diz que, perto do que José Serra fez como ministro
da Saúde do governo FHC, entre 1998 e 2002, "o selo é
muito pouco". Nesse período, Serra instituiu a contrapropaganda
em maços de cigarros com fotos chocantes e limitou a publicidade.
Em novembro de 2005, o Brasil ratificou uma convenção
da OMS que prevê o banimento do fumo de áreas fechadas,
mas até agora o governo não aplicou a medida.
Fonte: Folha de São Paulo em 28-08-2007.