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Edição n.º 1339 de 01/09/2007
Entrevista com o professor doutor em Ciências Humanas, Sérgio Luís Boeira
"Pesquisas mostram que há redução de consumo de cigarro entre homens"

O ato de fumar está na berlinda. A proibição de propaganda de marcas de cigarro na televisão, uma contra-campanha do Ministério da Saúde no verso das embalagens de cigarro com imagens fortes, organizações cada vez mais engajadas contra o fumo e quem fuma e manifestações favoráveis à restrição do uso da droga em locais de circulação de pessoas, tanto público como privado, mostram a pressão que existe contra o ato de fumar. No último dia 29 foi comemorado o Dia de Combate ao Fumo em todo o Brasil. A Tribuna buscou então aprofundar a discussão e entrevistou o professor doutor em Ciências Humanas, Sérgio Luís Boeira, que escreveu uma tese de doutorado que acabou virando livro editado pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), onde também pesquisa e leciona, intitulado "Atrás da Cortina de Fumaça. Tabaco, Tabagismo e Meio Ambiente: Estratégias da Indústria e Dilemas da Crítica". O professor Boeira falou sobre o tabagismo, indústria, entre outros assuntos. Confira a entrevista.


Tribuna: Neste último dia 29 foi comemorado o Dia de Combate ao Fumo. Já podem ser elencadas algumas atitudes que diminuíram a propaganda do cigarro? Como o senhor vê o tabagismo nos próximos anos?
Boeira: O tabagismo - como uma forma de consumo regular de derivados de tabaco, que provoca, via de regra, dependência química, neurológica e psicológica - é uma tradição que tem mais de oito mil anos, e que nas últimas cinco décadas passou a ser combatida de maneira enfática, especialmente por órgãos oficiais e organizações não-governamentais de saúde. Estas campanhas antitabagistas têm ocorrido com mais destaque nos países e regiões em que se conjugam dois fatores: a) avanço da ciência biomédica; b) avanço da democracia. Os resultados das campanhas são complexos, porque fatores socioculturais se mesclam à eficácia e efetividade das políticas públicas derivadas daqueles dois fatores conjugados.

Tribuna: Como o senhor analisa o consumo de cigarro?
Boeira: De um modo geral, as pesquisas mostram que há uma redução significativa de consumo entre homens, tanto mais quanto maior é a escolaridade e a renda dos mesmos. Já no que se refere a mulheres, os dados não são muito claros, havendo declínio de consumo em algumas regiões, mas também havendo aumento de consumo, mesmo entre mulheres com mais tempo de escolaridade e maior renda. Isto está relacionado às estratégias das empresas, que são muito sofisticadas, favorecendo o consumo de cigarros considerados suaves, mas que geram dependência e inclusive maior consumo. E está relacionado também a processos de socialização de mulheres em meios urbanos, com adesão a valores e hábitos outrora considerados apenas masculinos. Há também pesquisas que mostram uma correlação crescente entre consumo de cigarros entre pessoas de baixa renda, mais jovens (adolescentes) e declínio de renda familiar, ou seja, o tabagismo vincula doença e empobrecimento. Há um círculo vicioso entre tabagismo e pobreza.
Tribuna: O senhor escreveu uma tese de doutorado, que chegou a virar livro, onde faz uma pesquisa abrangente sobre o tabaco na forma geral e tudo que envolve o consumo.
Boeira: Com esta tradição de consumir tabaco, a modernidade gerou uma irracionalidade com múltiplas dimensões: degradação ambiental, pobreza, doenças, mortes, preconceitos, lucros astronômicos das empresas, arrecadação de impostos também irracional, comércio ilegal, exploração econômica de agricultores etc. E a modernidade científica, com o paradigma disjuntor-redutor ou positivista, não tem conseguido compreender e correlacionar as diversas dimensões desta irracionalidade. Ora se estudam os efeitos do consumo, ora se estudam as estratégias das empresas, ou os impactos no meio ambiente, mas as universidades não têm conseguido contribuir efetivamente no sentido de proporcionar políticas públicas eficazes e efetivas.

Tribuna: O que representa controlar o consumo de tabaco?
Boeira: Em fevereiro de 2005, após vários anos de negociações, a Organização Mundial da Saúde conseguiu a aprovação do primeiro tratado internacional de saúde pública, conhecido como Convenção-Quadro de Controle do Tabaco. Este tratado ainda não tem apresentado resultados muito claros, mas tende a tornar mais rígidas as legislações antitabagismo. Para o Brasil, que é o maior exportador de folhas de tabaco do mundo, e para a região sul do País, que produz 96% da produção nacional, o mercado externo tende a fechar-se. Isto obriga prefeitos, universidades e governos estaduais, além de ministérios, a buscar alternativas econômicas sustentáveis para os agricultores. Uma diversidade de projetos de ecodesenvolvimento locais e microrregionais é necessária e urgente.

Tribuna: Um senhor de 40 anos disse que combate ao fumo com campanhas não serve, mas sim os exemplos personalistas (pessoas famosas sendo contra, atores conhecidos não fumando nas novelas). Como o senhor analisa este posicionamento?
Boeira: A maioria das pessoas, quando questionadas sobre sua vontade de parar de fumar, diz que gostaria e que já tentou parar de fumar. Mas não conseguiu. Há diversos métodos, diversos remédios, mas sobre isso não posso tratar aqui, inclusive porque demandaria muito tempo. Sobre o posicionamento do senhor que você menciona, acho que é válido. A influência social é a base do método dos grupos de fumantes anônimos (que segue o mesmo método dos grupos de alcoólicos anônimos).

Tribuna: Um vereador de Balneário abriu a discussão sobre o antitabagismo e pretende formular uma lei para extinguir o uso de cigarros em locais públicos e privados. Como o senhor vê esta iniciativa? Lei ajuda, ou não?
Boeira: Esta resposta requer muito espaço e tempo também. Mas de um modo geral posso dizer que nos países mais adiantados em termos de legislação e debate democrático sobre o tema, os funcionários de bares, lanchonetes e restaurantes são considerados cidadãos, enquanto que em outros lugares isso não ocorre. A proposta da indústria é fazer uma separação de espaços nos restaurantes, por exemplo, como se os funcionários tivessem que abdicar de sua condição de cidadãos para servir aos fumantes. E como se a fumaça respeitasse divisórias fictícias.


"De um modo geral, as pesquisas mostram que há uma redução significativa de consumo entre homens, tanto mais quanto maior é a escolaridade e a renda dos mesmos".
  
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