Entrevista com o professor doutor em 
            Ciências Humanas, Sérgio Luís Boeira "Pesquisas mostram que há redução de consumo de 
            cigarro entre homens"
  O ato de fumar está na 
            berlinda. A proibição de propaganda de marcas de cigarro na 
            televisão, uma contra-campanha do Ministério da Saúde no verso das 
            embalagens de cigarro com imagens fortes, organizações cada vez mais 
            engajadas contra o fumo e quem fuma e manifestações favoráveis à 
            restrição do uso da droga em locais de circulação de pessoas, tanto 
            público como privado, mostram a pressão que existe contra o ato de 
            fumar. No último dia 29 foi comemorado o Dia de Combate ao Fumo em 
            todo o Brasil. A Tribuna buscou então aprofundar a discussão e 
            entrevistou o professor doutor em Ciências Humanas, Sérgio Luís 
            Boeira, que escreveu uma tese de doutorado que acabou virando livro 
            editado pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), onde também 
            pesquisa e leciona, intitulado "Atrás da Cortina de Fumaça. Tabaco, 
            Tabagismo e Meio Ambiente: Estratégias da Indústria e Dilemas da 
            Crítica". O professor Boeira falou sobre o tabagismo, indústria, 
            entre outros assuntos. Confira a entrevista. 
 
  Tribuna: 
            Neste último dia 29 foi comemorado o Dia de Combate ao Fumo. Já 
            podem ser elencadas algumas atitudes que diminuíram a propaganda do 
            cigarro? Como o senhor vê o tabagismo nos próximos anos? Boeira: 
            O tabagismo - como uma forma de consumo regular de derivados de 
            tabaco, que provoca, via de regra, dependência química, neurológica 
            e psicológica - é uma tradição que tem mais de oito mil anos, e que 
            nas últimas cinco décadas passou a ser combatida de maneira 
            enfática, especialmente por órgãos oficiais e organizações 
            não-governamentais de saúde. Estas campanhas antitabagistas têm 
            ocorrido com mais destaque nos países e regiões em que se conjugam 
            dois fatores: a) avanço da ciência biomédica; b) avanço da 
            democracia. Os resultados das campanhas são complexos, porque 
            fatores socioculturais se mesclam à eficácia e efetividade das 
            políticas públicas derivadas daqueles dois fatores conjugados. 
            
  Tribuna: Como o senhor analisa o consumo de 
            cigarro? Boeira: De um modo geral, as pesquisas mostram que há 
            uma redução significativa de consumo entre homens, tanto mais quanto 
            maior é a escolaridade e a renda dos mesmos. Já no que se refere a 
            mulheres, os dados não são muito claros, havendo declínio de consumo 
            em algumas regiões, mas também havendo aumento de consumo, mesmo 
            entre mulheres com mais tempo de escolaridade e maior renda. Isto 
            está relacionado às estratégias das empresas, que são muito 
            sofisticadas, favorecendo o consumo de cigarros considerados suaves, 
            mas que geram dependência e inclusive maior consumo. E está 
            relacionado também a processos de socialização de mulheres em meios 
            urbanos, com adesão a valores e hábitos outrora considerados apenas 
            masculinos. Há também pesquisas que mostram uma correlação crescente 
            entre consumo de cigarros entre pessoas de baixa renda, mais jovens 
            (adolescentes) e declínio de renda familiar, ou seja, o tabagismo 
            vincula doença e empobrecimento. Há um círculo vicioso entre 
            tabagismo e pobreza.  Tribuna: O senhor escreveu uma tese de 
            doutorado, que chegou a virar livro, onde faz uma pesquisa 
            abrangente sobre o tabaco na forma geral e tudo que envolve o 
            consumo.  Boeira: Com esta tradição de consumir tabaco, a 
            modernidade gerou uma irracionalidade com múltiplas dimensões: 
            degradação ambiental, pobreza, doenças, mortes, preconceitos, lucros 
            astronômicos das empresas, arrecadação de impostos também 
            irracional, comércio ilegal, exploração econômica de agricultores 
            etc. E a modernidade científica, com o paradigma disjuntor-redutor 
            ou positivista, não tem conseguido compreender e correlacionar as 
            diversas dimensões desta irracionalidade. Ora se estudam os efeitos 
            do consumo, ora se estudam as estratégias das empresas, ou os 
            impactos no meio ambiente, mas as universidades não têm conseguido 
            contribuir efetivamente no sentido de proporcionar políticas 
            públicas eficazes e efetivas. 
  Tribuna: O que representa 
            controlar o consumo de tabaco? Boeira: Em fevereiro de 2005, após 
            vários anos de negociações, a Organização Mundial da Saúde conseguiu 
            a aprovação do primeiro tratado internacional de saúde pública, 
            conhecido como Convenção-Quadro de Controle do Tabaco. Este tratado 
            ainda não tem apresentado resultados muito claros, mas tende a 
            tornar mais rígidas as legislações antitabagismo. Para o Brasil, que 
            é o maior exportador de folhas de tabaco do mundo, e para a região 
            sul do País, que produz 96% da produção nacional, o mercado externo 
            tende a fechar-se. Isto obriga prefeitos, universidades e governos 
            estaduais, além de ministérios, a buscar alternativas econômicas 
            sustentáveis para os agricultores. Uma diversidade de projetos de 
            ecodesenvolvimento locais e microrregionais é necessária e 
            urgente.
  Tribuna: Um senhor de 40 anos disse que combate ao 
            fumo com campanhas não serve, mas sim os exemplos personalistas 
            (pessoas famosas sendo contra, atores conhecidos não fumando nas 
            novelas). Como o senhor analisa este posicionamento?  Boeira: A 
            maioria das pessoas, quando questionadas sobre sua vontade de parar 
            de fumar, diz que gostaria e que já tentou parar de fumar. Mas não 
            conseguiu. Há diversos métodos, diversos remédios, mas sobre isso 
            não posso tratar aqui, inclusive porque demandaria muito tempo. 
            Sobre o posicionamento do senhor que você menciona, acho que é 
            válido. A influência social é a base do método dos grupos de 
            fumantes anônimos (que segue o mesmo método dos grupos de alcoólicos 
            anônimos).
  Tribuna: Um vereador de Balneário abriu a 
            discussão sobre o antitabagismo e pretende formular uma lei para 
            extinguir o uso de cigarros em locais públicos e privados. Como o 
            senhor vê esta iniciativa? Lei ajuda, ou não? Boeira: Esta 
            resposta requer muito espaço e tempo também. Mas de um modo geral 
            posso dizer que nos países mais adiantados em termos de legislação e 
            debate democrático sobre o tema, os funcionários de bares, 
            lanchonetes e restaurantes são considerados cidadãos, enquanto que 
            em outros lugares isso não ocorre. A proposta da indústria é fazer 
            uma separação de espaços nos restaurantes, por exemplo, como se os 
            funcionários tivessem que abdicar de sua condição de cidadãos para 
            servir aos fumantes. E como se a fumaça respeitasse divisórias 
            fictícias. 
 
  "De um modo geral, as pesquisas mostram que 
            há uma redução significativa de consumo entre homens, tanto mais 
            quanto maior é a escolaridade e a renda dos mesmos". 
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