Por Fábio
de Castro
Agência FAPESP – Adolescentes que trabalham consomem
álcool, tabaco e outras drogas em quantidades expressivamente
maiores do que jovens não-trabalhadores. Esse foi o principal
resultado de um estudo realizado com 2.718 estudantes da rede
estadual de ensino em Cuiabá.
A pesquisa foi feita em trabalho de doutorado de Delma Perpétua
Oliveira de Souza, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT),
defendida no Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), com orientação do professor Dartiu Xavier da
Silveira.
Resultados do estudo foram publicados pelos dois autores na
edição atual da Revista Brasileira de Epidemiologia, da
Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
Os pesquisadores trabalharam com a hipótese de que estudantes
trabalhadores teriam padrões mais altos de utilização de drogas, mas
a diferença surpreendeu. “Ao combinar diversas variáveis,
identificamos que a chance de usar drogas ao longo da vida é 1,5 vez
maior entre os jovens trabalhadores. É um padrão que chama a atenção
e dá mais um motivo para achar que eles não deveriam trabalhar”,
disse Silveira à Agência FAPESP.
O estudo mostra que, entre os adolescentes trabalhadores, o
álcool já foi usado por 81%, contra 64,8% dos não-trabalhadores. No
caso do tabaco, a porcentagem é de 43,7% contra 26,8%,
respectivamente. O uso de maconha foi feito por 8,6%, contra 4,4%
entre os não-trabalhadores. A cocaína foi usada por 3,2% contra 1,4%
e as anfetaminas por 6,9% contra 3,6%.
Os pesquisadores avaliaram uma amostra de 798 adolescentes
trabalhadores e de 1.493 não-trabalhadores, matriculados na rede
estadual de educação básica da área urbana de Cuiabá. As idades
variaram de 10 a 20 anos. Um questionário de autopreenchimento foi
aplicado em sala de aula, indagando sobre aspectos
sociodemográficos, sociais e consumo das substâncias psicoativas.
O objetivo foi identificar o padrão de uso das substâncias
ilegais, do álcool e do tabaco e quais fatores poderiam ser
relacionados ou predizer o uso. Para identificar as interações entre
as variáveis, a equipe adotou a técnica Chi-squared Automatic
Interaction Detection (Chaid), um procedimento para modelagem de
segmentação.
De acordo com Silveira, a técnica evitou os resultados
exclusivamente descritivos dos testes estatísticos usados na maioria
dos trabalhos com levantamentos epidemiológicos. “O trabalho teve
uma amostra muito ampla, que possibilitou usar essa técnica
estratificada de análise. Isso permitiu uma avaliação profunda de
subgrupos, que revelou uma ampla diversidade de fatores de risco.
Mas ficou evidente que o trabalho realmente influencia o uso
indevido de drogas em todos os casos”, disse.
Para o professor da Unifesp, é provável que dois fatores
principais aumentem o uso de drogas entre adolescentes
trabalhadores: a inserção precoce no mundo adulto e o acesso à renda
própria. “Podemos inferir isso, mas tudo sempre depende de uma
combinação de fatores. Todo fator só se transforma efetivamente em
fator de risco na medida em que se associa a outros”, destacou.
Uso recente
Ao avaliar o uso recente (no último mês) de álcool, tabaco e
outras drogas, os pesquisadores verificaram prevalências de 37,4%,
9,5% e 8,4%, respectivamente. O uso, no entanto, foi bem diferente
entre adolescentes trabalhadores e não-trabalhadores: 47,4% contra
32,1% para álcool, 13,6% contra 7,3% para tabaco e 11,1% contra 6,9%
para as outras drogas.
Apesar de mais vulneráveis às drogas, os estudantes adolescentes
que trabalham começaram a usar as substâncias mais tarde. A idade
inicial do uso de álcool foi de 12,5 anos para os jovens que não
trabalham, contra 13,1 para os outros.
O tabaco começou a ser usado com 13 anos e 13,7 anos,
respectivamente. A idade inicial para outras drogas foi de 13 anos
para os não-trabalhadores e 14,3 para os demais. Todos os
resultados, segundo os autores, estão dentro da margem de erro.
Em relação às condições econômicas da família dos participantes
do estudo, apenas os adolescentes trabalhadores de famílias com
níveis de renda mais baixos (C+D+E) mostraram-se associados ao uso
recente de tabaco.
Entre os estudantes trabalhadores, os mais expostos às drogas
foram os que afirmaram ter carga diária de trabalho de 4 a 8 horas e
insatisfação com o trabalho. O estudo constatou maior uso recente de
álcool entre os adolescentes que trabalham no setor secundário da
economia, especialmente na construção civil.
Categorias de consumo
Em relação ao consumo de drogas no decorrer de toda a vida,
excluindo-se álcool e tabaco, houve diferenças significativas para
as diferentes categorias de uso, na comparação entre adolescentes
trabalhadores e não-trabalhadores.
O uso alguma vez na vida foi feito por 28,5% dos trabalhadores e
19,3% dos demais. No último ano, ficou em 15,9% nos trabalhadores e
em 11,1% nos demais; no último mês, 5,1% e 4,9%. Entre os
trabalhadores, 1,4% deles fizeram uso freqüente, contra 0,5% nos
demais. O uso pesado foi constatado em 3,3% no primeiro grupo e em
1,1% no segundo.
A Organização Internacional do Trabalho estima que existam, em
todo o mundo, 352 milhões de menores de 17 anos vinculados ao
trabalho. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de
2001, revelou que, dos 5,4 milhões de crianças e adolescentes
trabalhadores no Brasil, 4,4 milhões também estudam, enquanto 1
milhão apenas trabalha.
Para ler o artigo Uso recente de álcool, tabaco e outras
drogas entre estudantes adolescentes trabalhadores e
não-trabalhadores, disponível na biblioteca on-line SciELO
(FAPESP/Bireme), http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2007000200015&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt.