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Do tabagismo
10-09-07

O Boletim da Ordem dos Médicos Portuguesa de Junho contém um artigo de opinião muito interessante e informativo do Prof. Luís Rebelo, Presidente da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo, que me fez recordar uma apresentação minha na televisão nacional da República Centro-Africana, na década de noventa, no dia mundial sem tabaco, a que não pude fugir, não obstante ser fumador nessa altura - talvez tenha sido entalado por isso mesmo -, quase por imposição da representante da OMS.


Por: Arsénio de Pina

Muni-me de um manancial de informações pertinentes e convincentes contra o tabaco e a indústria tabaqueira e botei falação condenando sem apelo o vício do tabaco e a indústria tabaqueira de tal modo convincente que, no ano seguinte (que atestei) e nalguns posteriores, segundo me informaram, foi a mesma apresentação repetida na televisão. Os frequentadores do meu café é que se riram quando me viram puxar, no dia seguinte, como de costume, do cigarro a acompanhar a bica habitual...

Preventivamente, antes da apresentação televisiva, deixei nos bastidores o meu maço de cigarros, não fosse, distraidamente, puxar de um cigarro no meio da minha aguerrida batalha anti-tabaco. Enfim, exemplo de inconsequências, porque só consegui dominar o vício do tabaco mais tarde, após inúmeras tentativas infrutíferas.

Em verdade, o vício do tabaco não tem desculpas nem atenuantes: é um mal em toda a linha e as companhias tabaqueiras, bem como todas as multinacionais cuja vocação essencial é o lucro imediato com o mínimo de despesas, criminosas.

As companhias tabaqueiras, apesar de terem perdido alguns processos em tribunais, continuam as suas actividades económicas altamente rentáveis para os seus accionistas, bem como as multinacionais alimentares que nos impingem mais açucares, gorduras saturadas e aldrabices nos alimentos - até já propagandeiam manteigas magras, como se tal fosse possível, dado que manteiga implica gordura animal, sendo a única manteiga vegetal a de cacau, não comestível -, as farmacêuticas, que nos induzem em erro lançando no mercado (infelizmente com a aprovação de governos) novos medicamentos mais caros (retirando os baratos, comprovadamente eficazes e sem ou com poucos efeitos colaterais nefastos, do mercado), teoricamente mais eficazes mas com efeitos colaterais desastrosos omitidos ou declarados em letras tão pequeninas que ninguém as consegue ler (para informação mais detalhada ver artigo meu sobre o assunto publicado ou a ser publicado pela ADECO), etc., etc.

Essas companhias têm meios financeiros colossais, mais do que suficientes para pagar e utilizar as melhores sociedades de advogados, influenciar e subornar lideres de opinião e até governantes venais que interferem e limitam o avanço das políticas públicas de controlo do tabagismo, da saúde, nutrição, etc. A visão das multinacionais - que se sobrepõem aos poderes dos Estados - é uma visão imediatista, meramente oportunista. Não se esqueça de que a estratégia do neo-liberalismo - a globalização - o que tem de verdadeiramente sinistro é pôr, como bem disse o professor Mário Murteira, o poder nas mãos dos que têm dinheiro. E os tipos que têm dinheiro nas mãos, normalmente, não são boas pessoas, talvez porque o dinheiro corrompe.

O artigo do Prof. Luís Rebelo refere-se a cinco mitos e falsas-verdades a propósito do consumo de tabaco, dos fumadores e da indústria tabaqueira de que iremos falar para desmistificar a contradição existente entre as actividades da indústria tabaqueira e a recente política de “responsabilidade corporativa” dessa indústria, como lhe chamam.

Mito 1 - As pessoas são livres de escolher fumar ou não fumar.

Não é verdade, pelo menos por duas razões principais: a propaganda e a publicidade, directas e indirectas ao tabaco e a dependência física, psíquica e social que ele provoca. As companhias utilizam biliões de dólares na propaganda, marketing e promoção do tabaco. Metade das crianças e jovens que experimentam esta droga tornar-se-ão dependentes e muito dificilmente virão a abandonar o vício.

Mito 2 - Toda a gente sabe que fumar faz mal.

Também falso, dado que, por exemplo, muito poucas mulheres têm informações correctas e suficientes sobre o impacto particularmente negativo do consumo do tabaco nelas, incluindo a ocorrência de cancro do colo uterino, da osteoporose, da menopausa precoce, da infertilidade ou do nascimento prematuro ou com baixo peso de bebés. Os fumadores perdem cerca de 15 anos de vida.

Mito 3 - O fumo ambiental e em locais de trabalho pode ser incómodo, mas não mata.

Erradíssimo, porque provoca doença e mata. Um estudo recente realizado em bares e discotecas de Braga confirmou que os empregados, nas 8 horas de trabalho, apresentavam níveis de nicotina e de alcatrões cancerígenos no seu corpo correspondentes a terem fumado cerca de 15 cigarros por dia.

Mito 4 - O tabaco é bom para a economia do país pelos impostos pagos.

O Banco Mundial fez as contas para provar o contrário. Além de os não fumadores serem mais produtivos no trabalho, faltarem menos e gastarem menos com a saúde, o Estado gasta mais no tratamento das consequências nefastas do consumo de tabaco (cancro dos pulmões, enfisema, doença pulmonar crónica obstrutiva, patologias cardiovasculares diversas, etc.) do que reúne em impostos lançados sobre o tabaco.

Mito 5 - A indústria do tabaco preocupa-se com a saúde dos fumadores, especialmente das crianças. Outra mentira graúda que nem precisa de ser desmentida porque, se assim fosse, a indústria tabaqueira já se teria reconvertido noutra indústria, já que o vício do fumo não tem defesa. Por exemplo, a indústria tabaqueira exporta para os países sem controlo de qualidade dos produtos importados marcas afamadas de cigarros, tipo Marlboro, Philips Morris, Chestertield e outras, mas com 30 % de nicotina e de alcatrões cancerígenos a mais do que os vendidos nos países de origem, obtendo, portanto, lucros fabulosos à custa da saúde (aliás, da doença) dos pobres.

Felizmente cada vez menos personalidades com crédito e audição pública defendem o indefensável.

Não estou certo, mas presumo que Cabo Verde aprovou a Convenção Quadro da OMS para o controlo do tabaco que obriga a “evitar que tais políticas (de saúde pública em matéria de controlo do tabagismo) sejam influenciados por interesses comerciais e outros da indústria do tabaco, em conformidade com as respectivas legislações nacionais”.

Podemos concluir, desfeitos esses mitos e falsas-verdades que, afinal, o vício do tabaco, a dependência de uma droga tão nefasta, embora tolerada, como o tabaco, dado o grande poder financeiro das companhias tabaqueiras que utilizam biliões de dólares por ano na propaganda e promoção do tabaco e no suborno de personalidades influentes da sociedade para sabotarem as iniciativas de governos contra o tabaco, dizíamos, podemos concluir que este vício provoca doenças graves que inutilizam ou matam mesmo pessoas que não fumam mas são forçadas a viver em ambientes poluídos com o fumo do tabaco, que o que os governos arrecadam em impostos lançados sobre o tabaco não compensa o que gastam no tratamento das doenças por ele provocadas, que os países que cultivam o tabaco poderiam ter mais proveitos se cultivassem plantas comestíveis ou úteis para a saúde, dado que os grandes lucros da indústria vão para os accionistas desta e não para os cultivadores da planta do tabaco e que o que a indústria tabaqueira foi forçada a consagrar à prevenção das doenças por ela provocada é uma ninharia em relação aos seus lucros colossais e ao que utiliza na promoção e propaganda do uso do tabaco.

O tabaco, não fora o poder financeiro da indústria tabaqueira, das personalidades e países a ela enfeudados, já tinha sido proibido como qualquer outra droga. O vício do fumo - utilizando o slogan da multinacional Shell para um dos seus insecticidas -, “mata que se farta”, mesmo mais do que o shelltox em relação aos insectos.

Parede, Agosto de 2007



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