Por:
Arsénio de Pina
Muni-me de um manancial de
informações pertinentes e convincentes contra o
tabaco e a indústria tabaqueira e botei falação
condenando sem apelo o vício do tabaco e a
indústria tabaqueira de tal modo convincente que,
no ano seguinte (que atestei) e nalguns
posteriores, segundo me informaram, foi a mesma
apresentação repetida na televisão. Os
frequentadores do meu café é que se riram quando
me viram puxar, no dia seguinte, como de costume,
do cigarro a acompanhar a bica habitual...
Preventivamente, antes da
apresentação televisiva, deixei nos bastidores o
meu maço de cigarros, não fosse, distraidamente,
puxar de um cigarro no meio da minha aguerrida
batalha anti-tabaco. Enfim, exemplo de
inconsequências, porque só consegui dominar o
vício do tabaco mais tarde, após inúmeras
tentativas infrutíferas.
Em verdade, o vício do tabaco não
tem desculpas nem atenuantes: é um mal em toda a
linha e as companhias tabaqueiras, bem como todas
as multinacionais cuja vocação essencial é o lucro
imediato com o mínimo de despesas, criminosas.
As companhias tabaqueiras, apesar de
terem perdido alguns processos em tribunais,
continuam as suas actividades económicas altamente
rentáveis para os seus accionistas, bem como as
multinacionais alimentares que nos impingem mais
açucares, gorduras saturadas e aldrabices nos
alimentos - até já propagandeiam manteigas magras,
como se tal fosse possível, dado que manteiga
implica gordura animal, sendo a única manteiga
vegetal a de cacau, não comestível -, as
farmacêuticas, que nos induzem em erro lançando no
mercado (infelizmente com a aprovação de governos)
novos medicamentos mais caros (retirando os
baratos, comprovadamente eficazes e sem ou com
poucos efeitos colaterais nefastos, do mercado),
teoricamente mais eficazes mas com efeitos
colaterais desastrosos omitidos ou declarados em
letras tão pequeninas que ninguém as consegue ler
(para informação mais detalhada ver artigo meu
sobre o assunto publicado ou a ser publicado pela
ADECO), etc., etc.
Essas companhias têm meios
financeiros colossais, mais do que suficientes
para pagar e utilizar as melhores sociedades de
advogados, influenciar e subornar lideres de
opinião e até governantes venais que interferem e
limitam o avanço das políticas públicas de
controlo do tabagismo, da saúde, nutrição, etc. A
visão das multinacionais - que se sobrepõem aos
poderes dos Estados - é uma visão imediatista,
meramente oportunista. Não se esqueça de que a
estratégia do neo-liberalismo - a globalização - o
que tem de verdadeiramente sinistro é pôr, como
bem disse o professor Mário Murteira, o poder nas
mãos dos que têm dinheiro. E os tipos que têm
dinheiro nas mãos, normalmente, não são boas
pessoas, talvez porque o dinheiro corrompe.
O artigo do Prof. Luís Rebelo
refere-se a cinco mitos e falsas-verdades a
propósito do consumo de tabaco, dos fumadores e da
indústria tabaqueira de que iremos falar para
desmistificar a contradição existente entre as
actividades da indústria tabaqueira e a recente
política de “responsabilidade corporativa” dessa
indústria, como lhe chamam.
Mito 1 - As pessoas são livres de
escolher fumar ou não fumar.
Não é verdade, pelo menos por duas
razões principais: a propaganda e a publicidade,
directas e indirectas ao tabaco e a dependência
física, psíquica e social que ele provoca. As
companhias utilizam biliões de dólares na
propaganda, marketing e promoção do tabaco. Metade
das crianças e jovens que experimentam esta droga
tornar-se-ão dependentes e muito dificilmente
virão a abandonar o vício.
Mito 2 - Toda a gente sabe que fumar
faz mal.
Também falso, dado que, por exemplo,
muito poucas mulheres têm informações correctas e
suficientes sobre o impacto particularmente
negativo do consumo do tabaco nelas, incluindo a
ocorrência de cancro do colo uterino, da
osteoporose, da menopausa precoce, da
infertilidade ou do nascimento prematuro ou com
baixo peso de bebés. Os fumadores perdem cerca de
15 anos de vida.
Mito 3 - O fumo ambiental e em
locais de trabalho pode ser incómodo, mas não
mata.
Erradíssimo, porque provoca doença e
mata. Um estudo recente realizado em bares e
discotecas de Braga confirmou que os empregados,
nas 8 horas de trabalho, apresentavam níveis de
nicotina e de alcatrões cancerígenos no seu corpo
correspondentes a terem fumado cerca de 15
cigarros por dia.
Mito 4 - O tabaco é bom para a
economia do país pelos impostos pagos.
O Banco Mundial fez as contas para
provar o contrário. Além de os não fumadores serem
mais produtivos no trabalho, faltarem menos e
gastarem menos com a saúde, o Estado gasta mais no
tratamento das consequências nefastas do consumo
de tabaco (cancro dos pulmões, enfisema, doença
pulmonar crónica obstrutiva, patologias
cardiovasculares diversas, etc.) do que reúne em
impostos lançados sobre o tabaco.
Mito 5 - A indústria do tabaco
preocupa-se com a saúde dos fumadores,
especialmente das crianças. Outra mentira graúda
que nem precisa de ser desmentida porque, se assim
fosse, a indústria tabaqueira já se teria
reconvertido noutra indústria, já que o vício do
fumo não tem defesa. Por exemplo, a indústria
tabaqueira exporta para os países sem controlo de
qualidade dos produtos importados marcas afamadas
de cigarros, tipo Marlboro, Philips Morris,
Chestertield e outras, mas com 30 % de nicotina e
de alcatrões cancerígenos a mais do que os
vendidos nos países de origem, obtendo, portanto,
lucros fabulosos à custa da saúde (aliás, da
doença) dos pobres.
Felizmente cada vez menos
personalidades com crédito e audição pública
defendem o indefensável.
Não estou certo, mas presumo que
Cabo Verde aprovou a Convenção Quadro da OMS para
o controlo do tabaco que obriga a “evitar que tais
políticas (de saúde pública em matéria de controlo
do tabagismo) sejam influenciados por interesses
comerciais e outros da indústria do tabaco, em
conformidade com as respectivas legislações
nacionais”.
Podemos concluir, desfeitos esses
mitos e falsas-verdades que, afinal, o vício do
tabaco, a dependência de uma droga tão nefasta,
embora tolerada, como o tabaco, dado o grande
poder financeiro das companhias tabaqueiras que
utilizam biliões de dólares por ano na propaganda
e promoção do tabaco e no suborno de
personalidades influentes da sociedade para
sabotarem as iniciativas de governos contra o
tabaco, dizíamos, podemos concluir que este vício
provoca doenças graves que inutilizam ou matam
mesmo pessoas que não fumam mas são forçadas a
viver em ambientes poluídos com o fumo do tabaco,
que o que os governos arrecadam em impostos
lançados sobre o tabaco não compensa o que gastam
no tratamento das doenças por ele provocadas, que
os países que cultivam o tabaco poderiam ter mais
proveitos se cultivassem plantas comestíveis ou
úteis para a saúde, dado que os grandes lucros da
indústria vão para os accionistas desta e não para
os cultivadores da planta do tabaco e que o que a
indústria tabaqueira foi forçada a consagrar à
prevenção das doenças por ela provocada é uma
ninharia em relação aos seus lucros colossais e ao
que utiliza na promoção e propaganda do uso do
tabaco.
O tabaco, não fora o poder
financeiro da indústria tabaqueira, das
personalidades e países a ela enfeudados, já tinha
sido proibido como qualquer outra droga. O vício
do fumo - utilizando o slogan da multinacional
Shell para um dos seus insecticidas -, “mata que
se farta”, mesmo mais do que o shelltox em relação
aos insectos.
Parede, Agosto de
2007
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