Opinião Fumo de mascar
João O. Salvador
Embora usadas como
sinônimas, as palavras hábito e vício têm conotações diferentes.
Hábito é um costume, uma repetição freqüente de um ato, em
determinado dia, ou horário, sob a ação consciente de quem o
pratica, fácil de mantê-lo sob controle, ou de removê-lo quando o
desejar. Já, o vício, é pernicioso, deixa a pessoa anormal,
descontrolada, compulsiva, em razão de uma dependência física ou
psíquica.
A tentativa de deixar o vício de fumar traz
sensações desconfortáveis na abstinência, mas a compensação pelo
recomeço é enorme, de grande satisfação, de euforia, neutralizando,
até mesmo, a frustração.
Para vender seus produtos, as
companhias tabageiras sempre procuraram aliciar os jovens através de
um forte apelo de marketing, sempre projetando imagens de fumantes
amáveis, inteligentes, charmosos, maduros, responsáveis,
bem-sucedidos, de aparências saudáveis. Este impetuoso apelo
propagandístico, feito pelos nobres e lícitos traficantes é para
impor a dependência química à nicotina, dentro da logística de que
qualquer produto só é seguramente comprovado, quando o mercado
consumidor o transforma em sucesso. Agora essas empresas se empenham
para conquistar novos adeptos em substituição àqueles que desistiram
ou morreram, em razão das doenças causadas pelo fumo. Entre 1989 e
2006 o mercado perdeu quase metade de sua camada de consumidores.
O Brasil é um dos países onde as restrições ao segmento
aumentam rapidamente, face à proibição de propagandas e à campanha
de conscientização. Além disso, diversos projetos regionais, visando
coibir o fumo em restaurantes e lojas, vêm sendo amplamente
debatidos.
Na tentativa de garantir o mercado, as indústrias
buscam as inovações. Primeiro foi o lançamento do cigarro light, com
baixos teores de alcatrão, monóxido de carbono e nitrosamina,
tentando impor a ilusão de que este tipo de cigarro reduz os riscos
à saúde do fumante. Claro que para se obter o teor nicotínico
satisfatório, bastam tragadas mais profundas, nas quais o usuário
acaba inalando mais substâncias tóxicas e tem suas chances reduzidas
de largar o vício.
Outra alternativa, ainda mais ousada, cabe
à Philip Morris, que se prepara para ingressar em um segmento pouco
conhecido por aqui, o fumo de mascar, utilizando-se do prestígio de
sua marca mais famosa, o Malboro, batizado como Marlboro Moist
Smokeless Tobacco, com a previsão de testes para outubro. O fumo, em
dois sabores, embalados em sachês, pode ser mascado e depois
dispensados como chicletes.
Há comprovação suficiente sobre
os malefícios do fumo, inclusive a de que ocorrem alterações nos
genes, predispondo os fumantes às doenças cardiovasculares e à do
câncer do pulmão, dentre outras. Estudos, embora incipientes,
demonstram que essas alterações podem ser irreversíveis, mesmo
depois do abandono do vício. Isto, porém, não é motivo para
desestimular ninguém que pretende deixar de fumar, mesmo porque há
genes reparadores dos pares errôneos no DNA e, claro, quanto menor o
estrago, maior será a chance do conserto.
Não se pode dizer
que todos os fumantes morrerão em conseqüência do vício, mas a
predisposição é bem maior. Portanto, o melhor mesmo é apagar a velha
chama das tragadas, das mascadas, seja pelo hábito ou pelo vício, e,
mesmo que as tentativas de desistir sejam fracassadas, vale a pena
insistir.
João O. Salvador é
biólogo salvador@cena.usp.br
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