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Tabagismo a aumentar nas crianças

Todos os anos surgem em Portugal 3800 novos casos de cancro do pulmão, quase todos relacionados com o consumo de tabaco. Agostinho Marques, director da Faculdade de Medicina do Porto, e figura central das Jornadas de Pneumologia que decorreram na Invicta, afirma que o número de fumadores está relativamente estável, mas que se assiste a um aumento constante entre as crianças com treze ou catorze anos.

Filipe Alves Pinto

Quais foram as principais conclusões tiradas das últimas Jornadas de Pneumologia, em relação ao problema do tabagismo?
Fez-se o ponto da situação. Há informação sobre o tabagismo que estava relativamente dispersa, e é por isso que se ouve coisas muito desencontradas, por vezes até na comunicação social, mesmo dita por peritos. As pessoas normalmente generalizam pela sua experiência pessoal, e quando encontram muitas pessoas a fumar acham que fuma muita gente e quando convivem com um grupo de não-fumadores julgam não.
Em Portugal fumam à volta de trinta e um por cento dos homens e sete por cento das mulheres. Somos um país, em termos comparativos com a Europa um país que fuma muito pouco, ao contrário do que normalmente se imagina. Sobretudo as mulheres fumam ainda muito pouco em Portugal, bem ao contrário do que toda a gente diz. Em Portugal começou-se a fumar muito tarde – os homens, durante a Guerra do Ultramar, e as mulheres já nos anos 70 depois do golpe de Estado, como parte do seu processo de emancipação. Vê-se imensa gente a fumar, mas que pertence a um grupo etário estreito.

Há dados relativos ao número de mortes relacionadas directamente com doenças provocadas pelo tabaco em Portugal?
É muito difícil. A Organização Mundial de Saúde estima em dez anos a perda média de anos de vida entre um fumador e um não fumador, o que inclui aí todas as causas de morte relacionadas directamente e indirectamente [com o tabaco]. Um número que temos com alguma segurança é o do cancro do pulmão, e cancro do pulmão em geral significa morte. Os nossos números são de trinta e oito casos por cada cem mil habitantes, o que dá 3800 novos casos por ano. Outra doença ainda mais relacionada directamente com o tabaco é a DPOC – Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, que tem nesta altura uma mortalidade equivalente [à do cancro do pulmão]. Depois há um factor contributivo em uma série larga de doenças onde não é possível contabilizar, mas são números grandes. De salientar que esses trinta e oito [casos de cancro do pulmão] por cada cem mil habitantes é menos de metade de Inglaterra. Nós somos o país onde se morre menos por cancro do pulmão na Europa, mas aquele onde se está a subir mais rapidamente.

Isso é um dado interessante, quer dizer que começámos a fumar mais tarde, mas agora estamos a subir mais rapidamente…
É curioso, e decorre do facto de o tabagismo ser uma epidemia recente em Portugal. O facto de haver pessoas de 25 anos a fumar muito, não significa nada para o cancro do pulmão, porque não é esse grupo que tem cancro, é daqui a uns anos que o vai ter.

No mundo moderno, em que há tanta informação, como é que se justifica este aumento?
O número total de fumadores está estável ou até ligeiramente a diminuir. Mas, nas crianças de treze, catorze e quinze anos continua a aumentar. De um lado há gente a deixar de fumar, mas do outro perde-se a guerra na prevenção primária. A questão é que isto não vai da informação, são questões de natureza emocional e a razão porque os miúdos começam a fumar é, primeiro, por uma questão de modelos. Os mais velhos fumam, os pais podem fumar, os professores, os dirigentes desportivos. A outra é porque para as crianças nos países com o nosso nível de desenvolvimento, fumar é uma forma de integração no grupo. Isto tem uma importância enorme, porque se as medidas restritivas que começa agora a haver forem muito mais, isso fará com que uma criança de três ou quatro anos interiorize a ideia de que fumar é feio. É a inversão da conotação do significado de fumar, e isto requer um esforço enorme e continuado de educação.

O que é que está a ser feito neste momento em Portugal para combater o tabagismo, e o que é que pode ainda ser feito a esse nível?
Do ponto de vista médico está a ser feito um trabalho bem feito e fácil de fazer, que é o tratamento individual do tabagismo. Uma pessoa que fume é considerada um doente e portanto a medicina tem estado disponível para ajudar as pessoas a deixar de fumar, e os resultados aí são muito bons. O número de pessoas que procura ajuda para deixar de fumar tem vindo sempre a aumentar. Aliás, a reunião [Jornadas de Pneumologia] tinha muito a ver com isso, sensibilizar os médicos para formar mais consultas de cessação tabágica, porque a procura é sempre maior.
Outro aspecto é agir na prevenção primária e das crianças, e esse é um processo educativo muito mais complexo, onde creio que ainda há muita coisa a fazer. Compete muito às famílias e aos professores, e aí o nível de consciência dos educadores não é naturalmente tão elevada como a dos técnicos de saúde. Há uma lei que vai agora entrar em vigor, e a experiência internacional tem mostrado que as medidas restritivas ajudam muito, quer a convencer mais pessoas a deixar de fumar, porque começam a ser mais pressionadas, como também na prevenção primária, porque limita a visibilidade do tabaco e tende a alterar a sua conotação.

Existe um modelo da pessoa que procura deixar de fumar?
São mais homens na faixa etária dos quarenta, predominantemente de grupos socialmente mais elevados, académica e economicamente. O próprio consumo do tabaco não começou de forma generalizada, foi primeiro nas classes altas. Não há dados concretos em relação às pessoas que têm procurado deixar de fumar. A ideia que tenho é que a necessidade das consultas nasceu e foi aumentando.

A nova lei pretende deixar ao critério dos proprietários dos estabelecimentos, como discotecas, bares e restaurantes a decisão de se poder ou não fumar lá dentro, o que foi um voltar atrás em relação àquilo que estava previsto anteriormente. Os danos provocados por esta cedência são elevados?
Idealmente não deveria ser assim. Estamos a defender a saúde, essencialmente, dos não fumadores como se compreende. Só há legitimidade do Estado para interferir nisto porque é preciso que nos espaços fechados quem não fuma não seja afectado pelo tabaco dos outros, e aí a proibição devia partir de cima. O problema que se coloca depois é outro, a capacidade do Estado de executar a lei. Proibir uma coisa e depois não ser capaz de pôr em prática a proibição degrada a lei no seu conjunto e, portanto, pode ser sensato num período transitório fazer isto. Só que a lei não diz que é um período transitório, e então o que vamos ter de fazer todos é intervenção cívica.

Mas isso não é o que já está a ser feito actualmente?
É claro. Foi claramente uma cedência dos políticos a pressões…

Em termos práticos o que é que vai mudar com a nova lei? Neste momento na maior parte dos locais de trabalho já há a prática de não fumar…
Mas passa a ser obrigatório. Como médico, vejo doentes que são incomodados por tabaco nos locais de trabalho e que se queixam. Isso vai diminuir. Os lugares de diversão são uma pena, porque são lugares de iniciação do hábito de fumar, sobretudo a noite. É o lugar onde o adolescente se sente pressionado a fumar para ser como os outros. É preciso que haja pressão da comunidade, é pena não ser a lei a fazer isso.

Aí também joga um pouco a nossa cultura. Se calhar, num grupo de dez amigos, se quatro deles fumarem vão todos para um local onde se possa fumar…
Eu sei, mas há que ter consciência de que a nossa cultura neste domínio tem mudado muito. Eu sou de uma geração onde se fumava no cinema, e era natural. Lentamente e apesar de tudo, isto mudou. Mas não tenho dúvidas, a lei durante o seu período de discussão foi claramente descaracterizada. Os interesses ligados ao tabaco tiveram muito mais força do que as associações de protecção da saúde.

Que interesses ligados ao tabaco são estes?
Há interesses directos, da produção e venda de tabaco. O tabaco é produzido e vendido em Portugal por uma empresa, que actualmente é pertencente a um grande grupo económico desta área americano, e o interesse em aumentar o consumo é óbvio. Há também todo o interesse interno, as casas que vendem tabaco têm todo o interesse em vender, as casas que têm máquinas de vender tabaco têm interesse em que se venda na mesma, por exemplo nos bares da noite. Há também os interesses indirectos das casas que têm medo que pela restrição percam clientes. Depois, há um interesse difícil de perceber que é o do Estado. O Estado pretende que não se fume, porque o tabaco causa doenças e despesas, mas por outro lado precisa absolutamente do dinheiro dos impostos que é um dinheiro vivo, fresco, que recebe logo enquanto que o dinheiro que poupa por não haver doenças derivadas do tabaco é um dinheiro que vai poupar daqui a uns anos noutro mandato, com outro ministro qualquer.

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“Oitenta por cento dos cancros do pulmão resultam
do tabaco”
Está de alguma forma quantificado o custo financeiro do tratamento do tabagismo e das doenças relacionadas com o tabaco?
Não tenho dados de memória. São valores tremendamente elevados, são é diferidos no tempo. Dos doentes de cancro [do pulmão] oitenta por cento resultaram do tabaco. São valores incríveis que não há impostos que paguem mesmo em termos numéricos, já não contando com as vidas e com a saúde.

Nos Estados Unidos, por exemplo, chegou-se a proibir em alguns estados o uso do tabaco em locais como bares e restaurantes, não para proteger somente os clientes, mas também os trabalhadores. Não estamos a esquecer este aspecto em Portugal?
O fundamento da lei é proteger quem não fuma e não quer fumar, seja trabalhador ou cliente. É isso que dá a legitimidade ética para que haja restrições, naturalmente não tenho nada contra quem vai pela rua a fumar, o problema é a partilha do ar. De facto, fala-se do tabagismo passivo há muitos anos, mas demorou muito tempo a provar que ele causa doença e morte. Mas há muitos anos que isso está demonstrado, é cientificamente sólido.

Destes oitenta por cento dos casos de cancro, quantos se deverão ao fumo passivo?
Há uma relação directa entre o fumo passivo e o cancro, muito menor do que com o fumo directo, talvez uns dez por cento. O fumo passivo é mais agressivo para os brônquios, para a DPOC e para o agravamento de outras doenças agudas, como a asma.
 
 
 

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