Os dados
são estarrecedores: cinco milhões de mortes por ano, segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), e um prejuízo de US$300
bilhões à economia do planeta, conforme apontam dados do Banco
Mundial. Este é, efetivamente, o balanço social da indústria
tabagista em todo o mundo, ainda que as corporações do tabaco
tentem, cinicamente, insinuar o contrário.
A
estratégia das empresas, em particular a Souza Cruz e a Philip
Morris que dominam a produção e a comercialização desta droga
lícita em nosso País, consiste em ludibriar, sistematicamente,
com ações pontuais e truculência jurídica, a opinião pública
nacional. Infelizmente, em muitos casos, estas instituições se
valem da complacência da mídia, da ausência de vigilância dos
jornalistas que têm dado guarida a uma divulgação falaciosa e
não ética, agressivamente desencadeada por assessorias de
comunicação, relações públicas e de imprensa, a serviço de
interesses inconfessáveis.
A indústria do tabaco tem se
apropriado de um conceito cosmético de responsabilidade social
para proclamar a sua cidadania. Confunde responsabilidade
social com uma filantropia inspirada em objetivos unicamente
mercadológicos, um marketing social às avessas porque tem como
intenção explícita o aumento das vendas de um produto – o
cigarro – que vitima anualmente centenas de milhares de
brasileiros. Trata-se de uma indústria predadora da qualidade
de vida e que sobrevive à custa da omissão de autoridades e
governos e da falta de consciência inclusive de profissionais
de saúde.
Uma pesquisa realizada há alguns anos pela
Universidade de São Paulo (USP) junto a pacientes fumantes
internados no Hospital das Clínicas, evidenciou um dado
preocupante: mais da metade deles confessou que jamais havia
recebido qualquer orientação médica relativa aos perigos do
hábito de fumar. Estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS)
garante que o brasileiro poderia ter em média mais 12 anos de
vida saudável se modificasse alguns hábitos nocivos como o
consumo abusivo de álcool e fumo e não fosse penalizado por um
cenário tão desfavorável em que se destacam a desnutrição (e a
má alimentação), a falta de saneamento básico e sexo sem
proteção, entre outros fatores.
A irresponsabilidade
social da indústria tabagista pode ser observada em inúmeros
detalhes. Ela se manifesta na tentativa recente de aumentar a
sua influência junto a populações (do nordeste brasileiro, dos
países pobres da África e da Ásia) que não recebem assistência
e são mais facilmente seduzidas pelas suas campanhas e por
marcas “populares” de baixo custo. Nesse caso, é possível
imaginar o efeito devastador dos seus produtos em pessoas
desnutridas, mal informadas e que são estimuladas a desviar
parte substancial do seu parco orçamento para a compra de
cigarros.
A falta de responsabilidade da indústria do
tabaco ainda está presente na ação agressiva junto aos pontos
de venda e em ações desenvolvidas em comunidades e escolas
numa escalada sórdida para consolidar sua imagem e aumentar
suas vendas. Ela também se escancara no lobby realizado junto
aos parlamentares brasileiros e nas sorrateiras investidas
junto a entidades na busca de “selos” e certificados que
possam ser utilizados para “limpeza de imagem”. Ela ocorre na
sistemática divulgação de suas vitórias nos tribunais
brasileiros em processos movidos por infelizes consumidores
que acreditaram na sua propaganda odiosa. Ela se consubstancia
em esforços deliberados de manipular a opinião pública, como
no lançamento do “cigarro light” e da sistemática negação dos
efeitos para o fumante passivo. Ela esteve flagrante na
tentativa de financiar a informatização do Judiciário com a
intenção deliberada de despertar a boa vontade dos que podem
(e devem) julgá-la. Ela foi tornada pública pela OMS quando na
década de 80 financiou cientistas para defender os seus
interesses e chegou, inclusive, a pagar um deles para ser
consultor desta importante organização. Ela está latente
quando pressões insuportáveis continuam tentando associar fumo
e prestígio como ocorre no patrocínio de equipes e corridas da
Fórmula I.
A sociedade brasileira não pode continuar
passiva diante destes abusos e deve pressionar as autoridades
para que tomem medidas que neutralizem a ação das corporações
do tabaco. Os comunicadores (e os jornalistas em particular)
precisam estar conscientes do prejuízo causado pela indústria
tabagista à saúde dos brasileiros e à nossa economia e devem
mobilizar-se para um processo de contra-informação, fazendo
frente aos releases e pautas plantados pelas empresas e pelas
entidades que as representam. Devem repudiar o patrocínio que
a Souza Cruz e a Philip Morris têm dado a inúmeros sites e
veículos, como o banner e notícias do portal Comunique-se e
aos cursos para jornalistas da Folha de S. Paulo, entendendo
que essa aproximação tem como objetivo angariar a boa vontade
dos profissionais de imprensa. Como se costuma repetir na área
de comunicação, “não existe almoço grátis” e a indústria
tabagista é rápida na hora de apresentar a conta.
Os
profissionais de saúde devem estar definitivamente
comprometidos com a conscientização dos cidadãos para os
malefícios do cigarro, fortalecendo a cruzada contra o hábito
de fumar. As autoridades, sobretudo elas, precisam aumentar a
vigilância e coibir as estratégias agressivas da indústria do
tabaco, buscando impedir que, com o lançamento de marcas de
custo reduzido, o consumo seja incrementado particularmente
junto às populações mais pobres. Devem estar atentas às ações
da Souza Cruz e da Philip Morris nas comunidades, uma forma
insidiosa de captar novos consumidores. Devem propor medidas
competentes para que, assim como ocorreu nos EUA, o setor de
saúde seja indenizado pelos prejuízos causados pelo fumo. Lá,
ações coletivas movidas por estados norte-americanos impuseram
às empresas do tabaco multas de bilhões de dólares. Por que
não adotarmos esta medida por aqui e buscarmos atingir o único
lugar em que estas empresas têm sentimento: o bolso?
É
imperioso adotar para as empresas de tabaco o conceito de
poluidor/pagador, aplicado para outros segmentos industriais,
exigindo que elas paguem pelos malefícios que causam à saúde
dos brasileiros.
A indústria tabagista tem se valido de
uma comunicação esfumaçada, com alto teor de contaminação,
para continuar alavancando seus lucros. Empresas que matam os
seus consumidores (o tabaco mata mais do que a Aids) não podem
ser toleradas. Quando se poupa o lobo, diz o ditado,
geralmente se coloca em risco a saúde da ovelha.
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