Contrariamente ao que a grande maioria das pessoas pensa, há quem sustente que a escova de dentes não é a única protagonista na higiene bucal, representando o fio dental um papel secundário nesta “faxina”. É o caso de Cesário Antônio Duarte, Professor de Periodontia da Universidade de São Paulo – USP, ao aquilatar que apesar de sempre ter levado a fama de ser um instrumento utilizado apenas para remover restos de alimentos que ficam entre os dentes e que não foram capturados pela escova, a função primordial do fio dental é retirar as bactérias, as principais causadoras da cárie, doenças gengivais e periodontais - aquelas que atingem os tecidos de sustentação dos dentes. ¹

Sendo um agente eliminador de bactérias no sulco gengival - aquele vãozinho entre o dente e a gengiva - o fio dental atua nos lugares de mais difícil acesso da boca, uma região quente, úmida e porta de entrada de todos os alimentos do nosso organismo; e, portanto, propícia para a proliferação de bactérias. Levando consigo as bactérias que grudam na superfície do sulco gengival, o fio dental age na nascente da formação da placa bacteriana, e a escova de dente dá conta do restante.

Oportuna é a elucidação de A. Thylstrup e O. Vejerskov:

“Uma superfície limpa do dente após ter sido exposta ao ambiente oral por 4 horas, surpreendentemente apresenta poucas bactérias. (...) Após 8 horas, apenas alguns pequenos grupos de microorganismos se fixaram na superfície, abrigadas pelas reriquimatas. Só depois de 8 – 12 horas há um rápido aumento do número de bactérias observadas. (...). Dentro de 1 dia, a superfície do dente está quase completamente coberta por um cobertor de microorganismos. (...) no decorrer do segundo dia, os depósitos bacterianos são colonizados por múltiplos microorganismos filamentos com orientação perpendicular à superfície.” ²

Deixamos claro que a escova dental é fundamental para a higienização bucal, mas reconhecemos com Professor Duarte a inoperância da escova dental face determinados tipos de cárie, como a “de raiz” e aquelas que redundam da desmineralização do esmalte existente nas paredes laterais entre os dentes, atingindo da mesma forma a dentina e a polpa dental, e resultando, portanto, num mesmo prejuízo.

Esclarecedora, outrossim, é a análise de pesquisadores estrangeiros quanto à utilização do fio dental na higiene bucal, assim narrada por professores da Universidade de São Paulo:

“REITMAN et alii, 1.980, comparam nos mesmos indivíduos o efeito da escovação, e o efeito do uso combinado desta mais o fio dental sobre a inflamação gengival e acúmulo de placa. Os estudantes utilizavam somente a escova por período de 7 dias e ao final avaliava-se a inflamação gengival e o índice de placa; depois por mais sete dias utilizavam escova e fio dental e ao final mediam-se os parâmetros indicados. A escovação isoladamente removeu placa principalmente das superfícies linguais e vestibulares mas foi ineficaz nas superfícies proximais. Quando foi aliado o uso do fio, os indivíduos conseguiam limpar 80% das superfícies proximais, sendo igualmente eficaz em todas as faces proximais. A inflamação gengival não mostrou comportamento diverso face às alternativas.

O uso diário de fio dental como complemento da escovação tem um efeito benéfico sobre a saúde gengival, pois contribui para uma melhora na saúde gengival, limpando áreas não alcançadas pela escova convencional (CARTER, 1975; FINKESTEIN & GROSSMAN, 1979; LOBENE et alii, 1982).” (grifos nossos) ³

No mesmo sentido é a conclusão de Thylstrup e Fejerskov:

“Em resumo, parece justificado afirmar que o fio dental – utilizado profissionalmente ou com perfeição – é eficaz na prevenção da doença cárie nas superfícies proximais dos dentes.” (grifo nosso) (4)

Fio dental e escova dental formam, portanto, uma parceria perfeita, uma dupla que se completa, imprescindível para o atual estágio da higiene bucal, até que seja inventado eventual novo processo de limpeza oral, mais prático e dinâmico.

A pesquisadora Jeffrey Hillman, da Universidade da Flórida, por exemplo, alterou geneticamente a bactéria “Streptococcus mutans”, tida como culpada por boa parte das cáries, criando uma linhagem incapaz de provocar cáries e, mais do que isso, tornando-a capaz de destruir as bactérias maléficas, agindo assim na prevenção das cáries. (5) Contudo, o desenvolvimento de uma eventual vacina deste tipo, pelo grau de risco que envolve, pode levar muito tempo e talvez não chegue a dispensar o uso do fio e da escova dental.

Infelizmente, o acesso e a utilização do fio dental em nosso país ainda é restrito às camadas altas e médias da sociedade. Reportagem jornalística em horário nobre da REDETV, levada ao ar em 14 de setembro de 1.999, anunciou uma metragem de utilização do fio dental em nosso país de apenas 23 cm. por habitante ao ano, dados estes difíceis de serem confirmados sem uma participação do Ente Público, tendo em vista que os maiores fabricantes do país não informam a quantidade de sua produção alegando direito a sigilo comercial.

É recomendado, no entanto, para o público infanto-juvenil, a utilização do referido instrumento de higiene bucal uma única vez ao dia, em virtude da inexistência de pesquisas científicas quanto ao eventual risco de descolamento gengival em razão de seu uso a longo prazo; e que se consulte sempre um odontólogo para o aprendizado correto do uso do fio dental.

1) FIO dental, Saúde é Vital, 07/97, pg. 14.

2) A .THYLSTRUP e O. VEJERSKOV,Cariologia Clínica, p. 04/95.

3) ESTUDO Sobre a Ocorrência de Traumatismos, Decorrentes do Uso do Fio Dental, em Crianças de 5 a 12 Anos, Revista de Odontologia da USP, 01 a 06/92, p. 50.

4) Op. cit, p. 222.

5) BACTÉRIA REGENERADA, Super Interessante, 03/00, p. 22.